Se você ainda não sabe o que é contabilidade mental, talvez seja o momento de pensar melhor sobre as suas decisões financeiras.
Não faz sentido para você? Logo vai fazer.
Quem nunca passou por aquela situação de, diante de uma opção de compra, ter uma conversa consigo mesmo sobre as questões mais certeiras do mundo: “Quero?”, “Posso?”, “Devo?”.
Ou você faz o tipo que não chega a se questionar tanto e o simples fato de poder pagar a conta já é o suficiente para direcionar a sua decisão para o “sim”?
E quanto ao seu salário?
Você sente que existe um “vazamento”, como um ralo financeiro pelo qual o dinheiro escorre?
Acredita que nunca é o suficiente para poupar dinheiro para a aposentadoria ou sequer para realizar uma viagem dos seus sonhos?
Apenas mais uma: você já fez algum financiamento e sequer realizou as contas de quanto custaram os juros?
Será que abreviar o momento de realização do sonho foi a opção mais vantajosa?
Não importa!
O que quero mostrar a você é que, em qualquer uma dessas situações, você está diante de uma escolha, de uma decisão financeira irracional.
O que a motiva geralmente é a satisfação de uma necessidade imediata que pode não levar você a tomar a decisão mais adequada para o futuro.
Isso porque as nossas decisões relacionadas ao nosso dinheiro são frequentemente pautadas visando um foco específico.
E nessas horas, na maior parte das vezes, não consideramos todas as consequências de uma escolha.
Essa forma de tomar decisões despertou o interesse de um economista norte-americano, chamado Richard H. Thaler.
Thaler se dedica ao campo da Economia Comportamental (ciência que vincula a tomada de decisão e a economia) e recebeu o prêmio Nobel de Economia de 2017 pela teoria da contabilidade mental.
Ao entender o conceito e aplicá-lo à sua realidade, você logo entenderá os reais benefícios.
Entenda o conceito de contabilidade mental
Dentre tantos questionamentos trazidos pelos estudos de Thaler, um dos principais é sobre a crença de que os homens são seres racionais.
Eles tomam as suas decisões levando em conta sempre o custo-benefício de cada opção.
Segundo as teorias econômicas tradicionais, nós, seres humanos, somos inteligentes o suficiente para ter esse autocontrole na hora de decidir.
É como se, antes de cada compra, realizássemos uma análise dos prós e contras daquela despesa, a confirmando somente a partir de uma decisão racional.
Um exemplo?
Você quer comprar um aspirador, gosta de um modelo e ele está em promoção.
Parece uma ótima aquisição, não é?
Mas depois o aparelho acaba não sendo utilizado e fica esquecido em algum canto da casa.
Na prática, é dinheiro jogado pela janela – o que nada tem de racional.
Thaler criou um modelo de análise que descreve como se organiza um processo de tomada de decisão.
Para isso, propôs diferentes contabilidades na nossa mente.
Por vezes, elas nos enganam e nos levam às piores escolhas, com consequente perda de dinheiro.
Conforme os achados desse modelo de estudo, foi possível perceber que as teorias econômicas tradicionais nos deram mais poder do que realmente temos.
Thaler defende que, ao contrário do que parece, vamos sempre para a pior escolha.
E qual seria a causa? Hábito? Falta de tempo para refletir? Emoção sobre razão?
Um pouco de cada.
Por exemplo, mesmo com acesso livre a tantas informações sobre alimentos saudáveis, os fast food não param de crescer.
Toda sexta-feira, criamos e aceitamos como desculpa a liberdade de comer porque, na segunda seguinte, começa a dieta. E por aí vai.
Um pouco de pressa, a falta de hábito, a comodidade e o desejo nos empurram a optar pela opção que não traz benefício nenhum à saúde, apenas o prazer momentâneo.
A grande verdade é que nós sabemos bem o quanto a obesidade e outras doenças podem ser evitadas conforme optamos por alimentos saudáveis ou “comida de verdade”.
Mas, independente de qualquer coisa, nós nos inclinamos a comprar alimentos prontos e que dão menos trabalho.
A racionalidade existe, mas no momento da escolha, ela não prevalece.
Com economia, é a mesma coisa.
Os princípios da teoria da contabilidade mental
Então, porque não trabalhamos isso a nosso favor já que, em tese, sabemos o que nos leva às piores escolhas?
É exatamente nesse ponto que Thaler toca no seu livro que incentiva a usar a irracionalidade para gerar decisões mais racionais, cujo título é “O Empurrão Para a Escolha Certa“.
Sabendo o que nos motiva e a forma como raciocinamos para tomar decisões, ele argumenta que é possível estabelecer uma “arquitetura de escolha”.
Trata-se de um método capaz de auxiliar quando for preciso reconhecer as melhores opções.
Nesse sentido, não são apenas os consumidores que se beneficiam, evitando decisões ruins, mas também as empresas.
Afinal, elas podem utilizar os dados da economia comportamental para atrair mais clientes dispostos a comprar os seus serviços ou produtos.
Com a arquitetura da escolha, é possível tomar decisões acertadas, mesmo que irracionalmente.
Em seu livro, Thaler dá muitos exemplos de escolhas que são precipitadas e, mesmo assim, continuam sendo realizadas diariamente.
Em um desses exemplos, ele menciona que, havendo duas pessoas que recebem mil dólares, onde uma delas o faz pelo seu trabalho e a outra por um reembolso fiscal.
A forma como o dinheiro será gasto difere gritantemente, mesmo que o valor e os padrões econômicos sejam os mesmos.
Isso porque as pessoas acabam gastando de maneira mais impulsiva e até “menos responsável” quando o dinheiro é proveniente de uma fonte imprevista.
Tal entendimento explica porque muitos ganhadores da loteria, por exemplo, acabam perdendo suas fortunas tão rapidamente, chegando até à falência.
Nesses casos em que o dinheiro vem fácil, a pessoa aumenta seu gasto em bens de consumo, como roupas ou diversão.
No fim, acaba deixando as escolhas conscientes de lado – como investir da melhor forma para perpetuar sua riqueza.
Além disso, as pessoas acabam sendo influenciadas pelas decisões do seu círculo de amizades.
Por exemplo, pessoas com amigos preocupados com marca e aparência acabam gastando bastante dinheiro com isso.
O estudo de Thaler também revelou uma aumento significativo em ações caridosas quando alguém do círculo social ou familiar fazia o mesmo.
É nítido o quanto estamos propensos a gostar de fazer o que nossos amigos ou familiares gostam de fazer.
Se levarmos isso em conta no nosso processo de tomada de decisão, focando no arquitetura da escolha, talvez até nosso círculo de amizades venha a ser diferente.
Até a pesquisa de Thaler, os estudos demonstravam que as escolhas eram tendenciosas a um comportamento racional do ser humano em suas decisões de compra.
Mesmo que as pessoas não fossem impulsivas em suas escolhas sobre gastos, na maioria das vezes, o processo estaria pautado sobre aspecto lógico.
Isso não apenas não parece ser verdade, como nos faz questionar porque nos arrependemos das nossas compras em vários momentos da vida.
A contabilidade mental aplicada no ambiente empresarial
Já comentei que as empresas podem utilizar todo esse conhecimento para atrair mais clientes, mas não para por aí.
A contabilidade mental também se aplica ao ambiente empresarial para pautar escolhas que parecem não fazer sentido no curto prazo, mas são as mais sensatas.
Por exemplo, entre investir em um treinamento de equipe ou na necessidade de compra de um maquinário, o empreendedor acaba decidindo da forma mais racional possível sobre o gasto do dinheiro, certo?
Segundo Thaler, não.
Isso porque, mesmo nesse momento, ainda é um ser humano tomando decisões de maneira irracional.
Além disso, ao contrário do que parece, continua sendo equivocada a ideia de que ele se baseia em custo e benefício para fazer a sua escolha.
Logo, a tendência é sempre ir pelo caminho menos recomendado.
E por quê?
Porque assim como nós acabamos optando pela comida mais “confortável”, um empreendedor também não tem tempo para refletir sobre a questão e, sobretudo, pode não ter o hábito de parar para refletir.
E, assim, de maneira precipitada, são tomadas as principais decisões de uma empresa.
Segundo o conceito da contabilidade mental, o que é mais grave é que, quando não há um foco específico na hora de tomar as decisões, tudo ocorre de maneira limitada e simples.
Ou seja, sem observação os efeitos gerais e mais ainda os de longo prazo.
Ficam de lado todas as demais alternativas que poderiam ser consideradas e as suas consequências.
Na prática, por vezes até paramos para pensar, mas a nossa contabilidade é própria e irracional.
O fato de os dados não serem analisados com “frieza”, levam às decisões mais precipitadas e menos lucrativas.
Os malefícios parecem óbvios, principalmente quando interferem no dia a dia da empresa.
Como a contabilidade mental influencia na rotina da empresa?
Embora a pesquisa realizada por Thaler seja bastante genérica.
Tratando não diretamente sobre o comportamento dos empreendedores e gestores frente aos negócios, não fica difícil entender o modo como as decisões interferem também no ambiente empresarial.
Dessa forma, é possível repensar o modelo e rever algumas condutas que podem trazer melhores resultados.
Segundo ele, “nas grandes decisões, há pouco espaço para aprendizagem”.
Isso quer dizer que, ao contrário do que parece, a prática pode não levar à perfeição.
Como assim?
Ora, se na escolha temos que repetir incessantemente, errando até aprender o certo, quando se está à frente de um negócio, não é possível errar tantas vezes até chegar à conclusão da melhor escolha.
Pode faltar tempo, pode faltar dinheiro, são mais pessoas envolvidas e por aí vai.
Além disso, a ideia é que uma decisão certa seja a solução daquele problema para que ele não apareça mais.
Logo, quanto maior a dimensão da decisão a ser tomada, menor o espaço para aprender.
Por exemplo, quando existe a necessidade de buscar por um empréstimo.
Decidir sobre abrir uma filial ou mesmo fechar um negócio, existe um peso muito maior do que quando é preciso decidir por uma nova pintura ou a compra de insumos para abastecer o estoque.
Obviamente, as consequências da falha na escolha da cor da tinta ou da compra comedida de um produto que não vende tendem a ser menores do que as consequências de um empréstimo impagável.
A abertura de uma filial que dá prejuízos ou o fechamento de um negócio que poderia ser o maior sucesso.
O longo prazo fala mais alto e algumas decisões podem não ser dignas de uma “segunda chance”.
E como fazer nesse momento?
É claro que não existe um manual das melhores decisões, até porque algumas situações são imprevistas.
Nesse momento, vale a pena você olhar para o passado e encontrar parâmetros nos quais você possa se basear.
Agora, se não existe tempo e foco para você olhar para trás e escolher a melhor decisão possível para a sua questão, não é difícil que você vá pelo pior caminho, o menos acertado.
E se a sua empresa está muito bem, ou se você acredita que a matemática é exata e, por isso, não precisa se dedicar tanto às melhores escolhas, saiba que não se trata apenas de números.
Existe muito mais envolvido em nossas ações e reações.
Considerar o processo de escolha algo puramente frio e exato pode limitar as suas escolhas.
Alguns benefícios podem ser intangíveis e, nesse caso, como você vai contabilizar o lucro que um funcionário motivado por trazer, por exemplo?
Parece mais complicado considerar apenas aquilo que se vê e que se conta.
Seus resultados podem ficar tão limitados quanto suas escolhas.
Obviamente, os números são excelentes e não podem ser deixados de lado para entender a realidade financeira.
Além da capacidade de deixar as contas em ordem e até de projetar uma expansão para o futuro.
Mas a intuição e o tino para negócio possuem um valor imensurável.
E isso precisa ser incluído no processo de tomada de decisão, sem medo.
Decisões que mudam o rumo de uma empresa, por exemplo, dificilmente podem ser contabilizadas.
Não há como restringir as opções apenas à frieza dos dados e dos registros no fluxo de caixa.
Dessa forma, por mais seguro que um projeto pareça, muitas variáveis estão envolvidas.
Digo tudo isso não para que você tenha medo de “arriscar” e fique paralisado frente a qualquer situação.
Muito pelo contrário.
A ideia é que você leve em consideração a parte empírica, que vai além da ciência e da racionalidade e que fazem a diferença no futuro.
Principais pontos de atenção sobre a contabilidade mental
A arquitetura da escolha é, sem dúvidas, o ponto-chave para auxiliar no reconhecimento das melhores opções durante a sua tomada de decisão.
Quando incorporado à sua rotina, isso vai muito além das decisões acerca do negócio, abrangendo também os aspectos envolvem os clientes.
O que quer dizer que, quando o empreendedor consegue fazer uso dos achados da economia comportamental, bem como arquitetar a escolha da melhor forma, é possível melhorar os resultados do negócio, atraindo mais clientes.
Falo dos clientes certos, aqueles realmente interessados em comprar seu produto ou serviço.
Ou seja, é possível ter conhecimento sobre o que o público quer e ainda levar isso em conta na hora de tomar uma decisão.
O irracional auxilia no processo racional de tomada de decisão, como já comentei antes.
Exemplos práticos da contabilidade mental
Existem muitos fatores que influenciam nossas decisões.
Na hora de decidir, somos mais levados pela influência do que pelo custo e benefício no longo prazo.
Por exemplo, quem nunca ouviu seu pai ou avô dizer que o primeiro investimento que deveria ser feito é em uma casa própria, mesmo que fosse financiada.
Afinal, ao invés de pagar aluguel, você estaria pagando o que é seu.
E, assim, o sonho brasileiro é a casa própria.
A grande questão é que, além de o imóvel residencial ser um ativo duplamente arriscado.
Pois não gera renda e ainda leva dinheiro do seu orçamento pessoal, nenhum autor com expertise de finanças diz que pagar aluguel é sempre pior que financiar.
O lado emocional, por outro lado, diz que ter um abrigo definitivo é a melhor coisa do mundo.
“Quem casa, quer casa”, mesmo que isso não pareça a melhor opção, de fato, em termos financeiros.
O efeito manada aqui é óbvio.
Afinal, somos levados pela maioria, sem considerar o benefício real no longo prazo.
Um dinheiro bem investido poderia trazer a possibilidade de comprar um imóvel à vista no futuro e ainda evitar o pagamento demasiado de juros.
Por outro lado, nossos pais podem nos ensinar a guardar dinheiro, ter o hábito de poupar e lutar contra o consumismo emocional.
No entanto, é interessante perceber que a maior parte deles prefere deixar o dinheiro na poupança.
Concordamos que a poupança é um dos investimentos mais seguros, com liquidez e de fácil acesso, certo?
Mas ela é considerada pelos especialistas como um dos piores investimentos no que diz respeito à rentabilidade.
É baixa e pode até mesmo não se sobrepor às perdas provocadas pela inflação.
Então, como aplicar no pior investimento pode ser bom?
No entanto, o lado emocional nos leva a acreditar que a segurança só é proporcionada por esse investimento em específico.
E isso nos limita a conhecer os demais e lidar com o desconhecido, que pode vir a ser uma excelente opção.
Ainda no que diz respeito a imóveis, os de aluguel não costumam ser um bom investimento.
Casas na praia, no campo ou áreas de lazer quase sempre não podem ser chamadas de investimento, pois dão muitas despesas.
Da mesma forma, os valores recebidos em casa de aluguel costumam render muito abaixo do que poderiam, caso o mesmo valor total do imóvel estivesse aplicado de outra forma.
Mesmo assim, muitas vezes, ouvimos dizer que investir em imóveis é bom, pois é seguro.
Assim, acabamos sendo levados a acreditar nisso e seguir por esse caminho.
A verdade é que evitamos qualquer tipo de discussão que apresente evidências contra as nossas crenças.
Isso nos leva a fazer com que um raciocínio sem lógica continue sendo a nossa justificativa na hora de tomar uma decisão.
O curto prazo nos favorece quanto à facilidade de compra de um imóvel e até na segurança que o investimento pode representar.
Mas a verdade é que, no longo prazo, o mesmo valor pode render muito mais quando aplicado da forma correta.
Pense ainda sobre o cartão de crédito, que é abominado por muitas pessoas que valorizam as compras à vista acima de tudo.
Ora, desde que o consumo seja consciente e a utilização do crédito seja feita com parcimônia, utilizar o “dinheiro de plástico” pode render pontos.
E tem mais.
A descrição das despesas em uma única fatura pode facilitar o controle dos gastos.
Isso sem falar que ter um única data para liquidar os débitos pode auxiliar no planejamento financeiro mensal.
Alguns cartões ainda dão desconto em programas de fidelidade, que podem ser utilizados para férias,.
Além de permitirem o acesso a salas vip (garantindo economia com comida em aeroporto, por exemplo) e tantos outros benefícios.
Isso significa que utilizar o cartão de crédito pode não ser tão ruim, correto?
Mesmo assim, de forma irracional, decidimos por pagar apenas à vista como se, no longo prazo, essa fosse a melhor solução.
Pensando bem, não é o uso do cartão de crédito que leva a uma dívida, mas a forma como o uso acontece.
Por isso, antes de qualquer coisa, priorize a reflexão ao invés do cálculo sobre suas decisões acerca do dinheiro.
Nem sempre a matemática tem a solução para resultados intangíveis e no longo prazo.
Conclusão
As contribuições da contabilidade mental são muito representativas.
Elas podem te auxiliar a entender as nossas decisões frente a uma empresa.
Assim como aquelas que são tomadas pelos clientes.
Por isso, precisamos estar focados no processo de tomada de decisão e manter o hábito de fazer escolhas dessa maneira.
Obviamente, como dica final, considere a matemática.
A ciência exata continua sendo uma aliada na gestão de qualquer negócio.
No entanto, valorize o empirismo, pois a intuição pode ser o que falta naquele degrau entre a sua empresa e o sucesso.
Decisões que elevam o potencial do seu negócio podem estar diante de você ao se permitir adotar novos hábitos.